Necrópole Goiânia

“A administração de Goiânia erra por não parar para se pensar” – Entrevista

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Professor da UFG diz que a capital tem problemas relativamente menores a outras 
cidades do mesmo porte ou até maiores, mas falta gestão e vontade política

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

O professor Tadeu A­len­car Arrais foge a um certo padrão con­sagrado na academia. É daqueles que conseguem fazer a ponte entre a teoria e a prática, de forma a participar ativamente da vida da cidade — inclusive no que diz respeito à política local. Nada mal para um geógrafo.

Mesmo assim, seu engajamento não escapa de palavras irônicas de quem se sente criticado. Ao encontrar um vereador em um evento, este chegou a lhe dizer que os professores precisavam “sair dos condomínios e andar pela cidade”. Ele questionou se o político sabia o que era originalmente o terreno ao fundo do salão onde estavam. O vereador não soube responder e teve de ouvir o relato sobre a história do local da boca do professor.

Professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor pela Univer­sidade Federal Fluminense (UFF), Tadeu Arrais tem ido além do papel de representante da comunidade científica nos últimos debates polêmicos da Câmara de Goiânia, como foram a questão do IPTU e o projeto de desafetação de áreas públicas.

Neste último, se envolveu com a apropriação de um terreno que a Prefeitura queria vender no Residencial Humaitá, região norte da capital. A área, por coincidência ou não, estava praticamente ao lado de um grande shopping. A comunidade local se juntou a instituições como a própria UFG e o Conselho de Arquitetura e Urba­nismo (CAU) para revitalizar o local e fazer de lá uma praça, polemizando o debate na Câmara e com a Prefeitura.

Ele faz uma análise bem crítica da atual administração da capital, que considera voltada a atender os interesses do setor imobiliário e a menosprezar um planejamento contínuo. “Um gestor tem de entender a cidade de forma sistêmica e não de maneira pontual”, resume. A entrevista ao Jornal Opção foi também um passeio pela história de Goiânia, “desenvolvida como um patrimônio” desde sua gênese, quando fazendeiros doaram terras para valorizar suas propriedades.

Elder Dias – A Prefeitura busca agora uma parceria com uma empresa para implementar um novo parque, chamado Parque do Cerrado. O que há de diferente em relação a outros empreendimentos do gênero?
Esse lançamento é a síntese de um processo que ocorre em Goiânia e que envolve três questões. A primeira é: qual o significado de uma cidade planejada? Historica­mente, o que garante o diferencial de Goiânia em relação a Goiás e ao Centro-Oeste é o fato de ter sido planejada. A segunda questão tem a ver com o que a capital é hoje, em relação a demandas, comparando-a a outras capitais. A terceira, que tem ligação direta com as duas anteriores, é sobre como é o comportamento das receitas e da gestão para atender a essas demandas. Em caso de emergências de parcerias público-privadas (PPPs) como nesse caso específico, do Parque do Cerrado, tudo pode ser traduzido como interferência do poder privado na agenda de planejamento da cidade, no financiamento da política urbana. Então, por esses três pontos chegamos em uma espécie de síntese, que é esse parque.

Dissecando mais sobre o primeiro ponto, apesar de ser tida como uma cidade planejada – e é o que todo livro costuma dizer –, Goiânia é um exemplo perfeito de um patrimônio. Por patrimônio entenda-se o que ocorria quando os fazendeiros doavam terras para valorizar suas áreas: criava-se uma rua com algum comércio, homenageava-se um santo e, então, fundava-se um distrito. A ideia de “patrimônio” é essa, a ideia de “rua” no interior, onde se dizia “vou à rua” significava “ir à cidade”. Por trás dessa doação, entretanto, sempre existiu uma perspectiva de valorização fundiária.

Muito embora Goiânia seja considerada uma cidade planejada, nasce com doações e valorização das áreas adjacentes. Ou seja, Goiânia é um imenso patrimônio. Essa é a primeira coisa a se pensar na história da capital, com a questão fundiária presente em sua gênese, porque a terra tem valor; a segunda é que Goiânia não nasceu do nada, mas, pelo contrário, como patrimônio acaba incorporando uma rede de cidades que sempre existiu – pequenos povoados, vilas etc. Ocorre que Goiânia engole tudo isso. Não tem um mapa que explique que essa Goiânia de hoje, de pouco mais de 700 quilômetros quadrados, tenha sido, no passado, um município, com aproximadamente 4,5 mil quilômetros quadrados.

Elder Dias – Goiânia era um município gigante e encolheu em termos de área.
Sim, e esse encolhimento ocorre porque Goiânia, em um primeiro momento, incorpora, via decreto, áreas de Aparecida, Trindade, Anápolis, Hidrolândia e outros. Essa perspectiva histórica é importante porque, quando se olha os dados brutos, o que se pensa é que Goiânia tem um crescimento assustador. Isso não é tão verdade, porque esses dados dos demais povoados que são incorporados objetivamente entram na conta do crescimento urbano da capital.

Elder Dias – Então, a população de Goiânia, nesse primeiro momento, era a soma do que havia em todos esses povoados, vilas e demais incorporações.
Justamente. Se você imaginar o que era Campinas, saberá que já era uma região conhecida, movimentada, que dava acesso à antiga capital, a cidade de Goiás, e ao sul do Estado. A questão da terra, por tudo isso, era central em Goiânia. Mas acontece que, até a década de 50, há um certo equilíbrio. É obvio que, quando há a transferência da capital, há uma valorização muito alta do preço do alqueire. O importante é observar que a terra sempre foi um elemento importante na história e que existia uma segregação, mas com um certo equilíbrio entre a centralidade, com os equipamentos de consumo, e a horizontalidade, com as pessoas ocupando o espaço. Isso se rompe quando a terra começa a ter mais valor. É o segundo momento de Goiânia, que é o deslocamento dessa camada para o que chamamos de primeira periferia da capital, em bairros como Setor Ferroviário e Vila Nova. Hoje temos até a terceira periferia, em Aparecida de Goiânia e outros municípios vizinhos.

Elder Dias – Pelo que o sr. disse, na escolha do lugar para a nova capital, houve muito mais política e economia, com interesses imobiliários, do que uma adequação geográfica, por conta de ser um berço das águas?
É um caso que já foi muito elucidado. Pedro Ludovico procura um novo espaço, em que possa construir uma cidade moderna, com uma estratégia já velha, do século 19, que é discurso higienista, alegando que a capital antiga não reunia condições para tal. Mas ele próprio assume que havia um problema político e que construir uma nova cidade era também construir uma nova arena de forças, mais alinhada com sua perspectiva política. Por isso, a cidade de Goiás não servia mais. A ideia de planejamento existe, mas a questão de fundo é, sem dúvida, de ordem política.

Elder Dias – Como se deu a dinâmica migratória?
A migração sempre colaborou para o crescimento populacional de Goiânia, mas o período de maior índice ocorre a partir da década de 60 e 70. No fim da década de 70 e começo dos anos 80 começa a ocupação da região noroeste. O migrante chega à cidade grande e procura emprego e moradia. Não encontra isso no centro e vai para as franjas da cidade. A partir dos anos 80, há o crescimento de uma migração de segunda origem, e os municípios vizinhos começam a receber os contingentes. Enquanto Goiânia tem crescimento demográfico de 2% a 3%, Aparecida de Goiânia tem de 7% a 8%.

No governo de Iris Rezende, a partir de 1983, ressalta-se o problema habitacional com muita evidência, com a criação da política dos mutirões da moradia. Se você sai hoje do Centro de Goiânia até a Vila Mutirão, na região noroeste, hoje gastaria 40 minutos de carro. Imagine, então, como era o deslocamento na década de 80, com pouca oferta de transporte coletivo e passando por grandes estoques de área, vazios urbanos. Isso significa que aí há a coroação de uma cidade que deixa de ser coesa, ocupando re­giões distantes e, assim valorizando os estoques de área intermediários. Isso foi extremamente prejudicial.

Elder Dias – É o que ocorreu, também na década de 80, com o Conjunto Vera Cruz, por exemplo. Mas agora, novamente com Iris Rezende (PMDB) na Prefeitura, temos um exemplo recente disso, com o loteamento de uma área rural para o Residencial Orlando de Morais, na região norte de Goiânia, a muitos quilômetros distante da última aglomeração urbana.
É uma estratégia clássica dos atores do mercado imobiliário: deslocar grandes loteamentos para construir um poder de pressão que só os movimentos sociais possuem. É muito mais fácil os moradores de um bairro ou uma região de pouca estrutura fazerem com que suas demandas sejam atendidas pelo poder público. Então, para que se leve rede de água, luz, esgoto, linhas de ônibus etc., isso será feito de modo contínuo, passando pelas regiões intermediárias e valorizando-as, mesmo que elas estejam ainda desabitadas.

Essas políticas deixam a cidade menos compacta, dissociando o lugar de morar do local de trabalho, criando distâncias e tempos enormes para o deslocamento. Ora, isso não ocorre por falta de estoques internos de terra. Tomemos, por exemplo, o setor Jardins do Cer­rado, bairro que é obra do programa Minha Casa Minha Vida. Seria muita ingenuidade pensar que um programa assim vem apenas conformado para atender as necessidades da população. Há aí também, como em outros projetos, uma demanda da construção civil, além de interesses políticos.

David Harvey [professor britânico, da Universidade de Nova York, autor de “Cidades Rebeldes” e com trabalhos referenciais em geografia urbana] faz esse caminho com maestria, dizendo que a urbanização aparece como um fator de acumulação e absorção dos excedentes. Ora, e o que faz isso melhor do que as grandes obras da construção civil? É ocasião para lidar com a cadeia do ferro, a cadeia do aço, a cadeia do cimento e tantas outras.

“Talvez nossa capital seja uma das com mais possibilidade de efetivação de umagoianiaboa gestão, mas o gestor precisa ter uma visão global da cidade”

Frederico Vitor – É o que ocorreu, por exemplo, para a política do New Deal [série de programas implementados nos Estados Unidos na década de 30 pelo presidente Franklin Roosevelt, para recuperar a economia norte-americana depois da crise de 1929].
Perfeito. Como também nas reformas de Paris, com Haus­smann [Georges-Eugène Haus­smann, responsável pela reforma urbana de Paris, solicitada por Napoleão III, e que se tornou referência na história do urbanismo e das cidades], que foi uma questão estratégica, para am­pliar espaços. A urbanização é uma estratégia, sempre, principalmente em países com estrutura deficiente.

Marcos Nunes Carreiro – O sr. coloca também uma segunda questão, que é a comparação de Goiânia a ou­tras capitais. O que seria isso, de fato?
Temos de perguntar qual é a situação de Goiânia em relação às demais cidades do País. Nesse sentido, talvez nossa capital seja uma das com mais possibilidade de efetivação de uma boa gestão. Goiânia é bem mais viável do que Fortaleza, Belém, Salvador.

Elder Dias – O sr. fala isso em termos de facilidade? Ou seja, governar Goiânia é muito mais fácil do que governar Belém, ou São Paulo?
Muito mais fácil, porque há menos demandas reprimidas.

Marcos Nunes Carreiro – Mas isso não se dá pelo fato de que a população de Goiânia é menor e também uma cidade mais nova?
Há problemas históricos que podemos discutir, mas isso não muda o fato de que Goiânia seja uma das cidades com melhor perspectiva para gestão. Vou tomar um dado interessante para análise disso: o IBGE criou uma denominação chamada “aglomerado subnormal”, uma denominação genérica para o que a gente chama de ocupação, favela, palafitas, áreas de risco. São unidades territoriais que tenham como características irregularidades de posse, falta de regularização fundiária, vias precárias de acesso. Sabe quantos aglomerados subnormais há em Goiânia? Sete. Em Fortaleza, são mais de 170.

Elder Dias – Isso então corrobora aquilo que o ex-prefeito Iris Rezende (PMDB) dizia, sobre Goiânia não ter favela?
Goiânia não tem um grande aglomerado clássico que poderíamos chamar assim, de favela, pessoas em palafitas ou em uma grande área de declividade. Para ter ideia, a população de Fortaleza que mora em aglomerados subnormais chega a 350 mil habitantes. Em Belém é algo próximo disso, também. É muita gente. Enquanto isso, Goiânia tem um número menor desses aglomerados subnormais do que muitas cidades médias de 200 mil, 300 mil, até 400 mil habitantes. Os problemas de infraestrutura de Goiânia estão relativamente salváveis, principalmente quando se compara a essas outras cidades. A posição de nossa capital fica em posição muito confortável em relação a seus problemas, seja de meio ambiente, seja de mobilidade, entre outros. Reforço: do ponto de vista de resolução, Goiânia é privilegiada.

Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Marcos Nunes Carreiro – E quais seriam essas áreas de aglomerados subnormais em Goiânia?
Temos, por exemplo, as regiões Jardim Botânico 1 e 2, a região perto do Setor Universitário, conhecida como Quebra-Caixote. E veja bem como são esses nossos aglomerados: o Quebra-Caixote é um local asfaltado, com facilidades de acesso, relativamente poucas restrições em relação ao que se encontra em Fortaleza. Não quero cantar mil maravilhas de Goiânia, mas é importante ter um diagnóstico claro para entender esse discurso de hoje que se constrói, um discurso de ineficiência e de que é preciso privatizar a cidade. Outro ponto desses aglomerados é o Setor Emílio Pó­voa, que se situa perto de outra área, às margens do Córrego Ca­pim, que sofre com problemas de inundação. Um problema sério é de irregularidades na posse. A falta de endereço faz com que as pessoas não tenham como procurar um emprego, porque não têm um endereço, não existem para o mundo formal. Por isso, os programas de regularização fundiária são tão necessárias. Histo­ricamente, esse processo de regularização é feito de duas formas: ou retirando as pessoas – geralmente quando elas são pobres – ou regularizando a situação, geralmente quando as pessoas têm melhor condição financeira. Uma exceção foi o programa que o prefeito Pedro Wilson [do PT, de 2001 a 2004] realizou para a urbanização das faixa da Mar­ginal Botafogo. O Residencial América Latina, conjunto para pessoas de baixo poder aquisitivo que moravam naquela área de risco, é um exemplo de boa política pública para esses casos.

Goiânia contabiliza um déficit habitacional de 50 mil domicílios, segundo as últimas pesquisas. Não são só pessoas que não têm onde mo­rar, mas que vivem em área de risco, em aglomerados subnormais, em ocupação domiciliar bastante densa, isso tudo é déficit. Mas a mesma pesquisa indica que Goiânia tem em torno de 45 mil domicílios va­gos, a maior parte de apartamentos.

Elder Dias — Então daria para colocar quase toda essa população sem teto nesses domicílios vagos.
Justamente. Há uma certa fragilidade do déficit. Há também cerca de 10 mil domicílios de uso ocasional, de pessoas que moram fora e que têm dois domicílios. A discussão sobre o IPTU fica difícil por conta disso, é preciso ordenar isso e cobrar, é a síntese do que é territorial, que são os lotes, e o que é predial. O retrato de Goiânia hoje, para chegar à administração atual, é de que a Prefeitura tem sido muito desorganizada. A prefeitura não conhece Goiânia – e aqui falo da gestão, não dos técnicos.

Elder Dias — O sr. fala isso especificamente sobre a gestão atual ou é algo que ocorre em geral?
O que é conhecer uma cidade? Há gestores que conhecem a cidade e fazem uma boa gestão; há gestores que conhecem a cidade e não fazem uma boa gestão; e há aqueles gestores que não fazem uma boa gestão e não conhecem a cidade. O gestor tem de entender a cidade de forma sistêmica e não de maneira pontual, sabendo que o que ocorre em um bairro afeta outros. Ao vir para cá, passei em um posto de gasolina para reabastecer meu veículo, porém não pude colocar etanol nem gasolina comum, apenas aditivada. Por quê? Porque havia um bloqueio na BR-153, por conta da greve dos caminhoneiros, incluindo os que transportam e reabastecem de combustíveis. O que ocorreu lá afetou toda a cidade. Então o gestor tem de ter visão global da cidade.

Outro ponto são os vereadores. Aliás, a palavra “verear” significa “andar pela cidade”, algo que nossos vereadores não fazem. Em um debate na UFG houve um vereador, que saiu do PT recentemente, que disse que nós, professores, deveríamos sair dos condomínios e andar pela cidade. Ora, o fato de não andar pela cidade não significa que não a conhecemos. Os vereadores usam essa ideia e esse discurso porque é fácil, acusador.

Voltando ao projeto de desafetação de áreas públicas, havia a previsão de desafetação de mais de 200 mil metros quadrados de áreas. Mas, no fim das contas, cada vereador vendo a oportunidade, foi colocando mais áreas. O projeto foi para 1 milhão de metros quadrados. Isso causou problema porque as pessoas começaram a conhecer o processo. A desafetação é algo comum. Se fizer uma pesquisa nas leis municipais, boa parte delas é para desafetação, vão para igrejas pentecostais, católicas, centros comunitários etc. Mas ninguém reclama com os vereadores porque isso acaba sendo pontual. Seria interessante saber quantos metros de áreas cada vereador desafetou.

Elder Dias – A gente iria se surpreender.
Com certeza. Mas como essas coisas ocorrem no varejo, ninguém se atina. Quando vem um projeto grande como esse, aí sim. Dois dos grandes defensores da desafetação de áreas públicas na Câmara foram os dois expulsos do PT, Felisberto Tavares e Tayrone di Martino. Os dois protagonizaram o debate a favor da venda de áreas públicas. E eles saem do PT no momento de discussão de IPTU quando, na verdade, apoiaram a venda de áreas públicas, o que é pior ainda do que o aumento do IPTU. Ocorre que eles saem do varejo e a coisa chega no atacado. Aí começa a dar problemas, tanto que a questão chegou ao Iesa. Nem sabíamos disso.

Elder Dias – E como chegou ao Iesa?
Foi quase por acaso. Eram 3 horas da tarde e me convidaram para ir para uma audiência pública que ocorreria no prédio do Iesa, na UFG. Meu colega disse que eu deveria ir, relutei, mas acabei por produzir um texto-síntese, um tipo de protorrelatório do projeto. Na audiência, tivemos apoio de 90% dos presentes, mas começou uma rede de ofensas dos vereadores e do ex-chefe de gabinete do Paulo Garcia, Iram Saraiva Júnior. Fomos provocados, e depois foram votar o projeto na Câmara. Lá, encontramos a comunidade do Residencial Humaitá. A partir daí, nos unimos e surgiu a ideia de fazer a praça. Juntaram três coisas boas: a comunidade, a universidade um grupo de vereadores de oposição. Claro que ninguém é ingênuo, entre esses vereadores havia opositores ao projeto e simples opositores da Prefeitura. Se perguntar aos vereadores de hoje sobre o que é Plano de Urbanização Diferenciado – que é o que constava no projeto –, afirmou que poucos saberiam. Elias Vaz (PSB) com certeza, talvez Cristina Lopes (PSDB) e Djalma Araújo (SD). O fato é que poucos vereadores estudam a cidade.

Elder Dias – Os vereadores de Goiânia não conhecem Goiânia?
Volto à mesma analogia: há os que conhecem muito bem Goiânia, mas que estão a favor dos interesses do mercado imobiliário; há aqueles que conhecem a cidade e tem uma perspectiva progressista – e, entre esses vereadores, não tenho problema em citar Elias Vaz, que tem tido até o momento uma posição coerente em relação ao Plano Diretor. Cristina e Djalma também apoiaram todos esses projetos, têm sido solícitos, um pouco também Tatiana Lemos (PCdoB). A partir daí, o caldo engrossa não por questão programática, mas partidária.

Frederico Vitor – E qual foi a sequência dos fatos? Como vocês trabalharam com esses grupos?
Com esses três segmentos produzimos um relatório. E começamos a observar que a prefeitura não tinha a mínima ideia do que estava fazendo. Mas o mercado imobiliário tinha e tem. Vocês lembram quais foram as áreas?

“Gestores não sabem que pessoas gostam de espaços públicos”

Tadeu Arrais em entrevista ao Jornal Opção: “Gestão é problema, mas o quadro técnico da Prefeitura é de qualidade” / Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

Tadeu Arrais em entrevista ao Jornal Opção: “Gestão é problema, mas o quadro técnico da Prefeitura é de qualidade” / Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

Marcos Nunes Carreiro – Duas delas eram a praça ao lado do Campus 5 da PUC-GO [Pontifícia Universidade Católica de Goiás] e a sede da Secretaria Municipal de Educação, no Setor Universitário.

Ótima citação. A pergunta que se faz: por que a PUC quer essas áreas? Por que a Prefeitura quer a permuta? São duas áreas extremamente valorizadas. Se é para a área da PUC ser praça, como continua sendo, que deixe como praça. Mas não é para continuar como praça, estamos falando de negócios. Sobre a outra área, a da Secretaria Municipal de Educação, os próprios professores não alegaram nada em prol da mudança. Por que mudar a sede, que pode ser adaptada, reformada em vez de seguir para o Paço, onde ficará distante, sujeita a congestionamentos? Quem demandou as áreas, então, não foi a Prefeitura, foi quem escolheu essas áreas.

Vamos pensar sobre uma área do Parque Lozandes, com 32 mil me­tros quadrados, que no projeto não a­parece como área pública. E é área pública, cuja desafetação conseguimos barrar. Há também uma outra área, entre o Autódromo e o Rio Meia Ponte, descendo pela GO-020, que também conseguimos barrar a venda. A natureza do projeto não é só vender a área: de nada adianta vender um copo se nele não se puder colocar água. Então, a Prefeitura não só vende as áreas, mas também muda sua destinação, dentro do Projeto Diferenciado de Urbano 1 (PDU 1), o qual permite a verticalização. Ou seja, amplia os gabaritos.

Há também o caso de uma área no Setor Bueno, o antigo colégio municipal Leão di Ramos Caiado. Enquanto a SMT [Superintendência Municipal de Trânsito] reivindicava uma sede mais adequada, a prefeitura dizia que não tinha dinheiro para sede. Isso porque a Prefeitura acha que vai ser bom centralizar toda a administração no Paço. É um equívoco (enfático). Existe melhor lugar para a sede da SMT do que o Setor Bueno, um ponto no qual teriam acessibilidade a tudo? Mas não, a Prefeitura, insensível a tudo, propõe a venda dessa área.

O que a Prefeitura fez com o projeto foi a primeira justificativa de colocar à venda o patrimônio público alegando ausência de recursos. O governo esperava R$ 400 milhões a R$ 500 milhões com isso, que antecedeu o debate do IPTU. O discurso da Prefeitura era simples, e utilizado pelos vereadores Felisberto e Tayro­ne: era de que esse dinheiro per­mi­tiria uma série de obras. Alguns ve­readores falaram até que o Iesa estava contra as obras públicas. Pri­mei­ra­mente, o Iesa não é contra nada, mas, sim, quem do Iesa assinou a­quele relatório era, sim, contra esse ti­po de coisa. Então, a primeira tentativa foi essa, de vender áreas para ga­nhar R$ 400 milhões ou mais. A Prefeitura agiu de forma irresponsável.

Goiânia tem atraído um público diferenciado em relação ao perfil migratório. Se eu contratar um matemático para trabalhar com duas curvas, sendo a primeira uma de crescimento demográfico e a segunda, uma de criação de espaços públicos, es­sa segunda curva vai ser decrescente, ao contrário da primeira. En­tão, quando a Prefeitura se livra do estoque de áreas públicas, compromete o futuro da cidade. Por isso es­sa questão das áreas é muito mais im­portante do que a do IPTU. Esta, quando entrar um prefeito organizado, articulado politicamente, ele terá um discurso para emplacar a tese do aumento do imposto. A venda de áreas, não, compromete o futuro da cidade.

No caso do Residencial Humaitá, nossa estratégia foi diferente. A batalha estava perdida até o momento da ação da professora Maria Ester de Souza, CAU [Conselho de Arquite­tura e Urbanismo]. A partir de um projeto que ela fez, a comunidade pôde propor, veja só, uma genuína parceria público-privada para o prefeito. E o prefeito recusou. Que parceria era essa? Que a Prefeitura nos emprestasse um trator, que nos cedesse 1,8 mil metros quadrados de grama, que nos cedesse mudas de árvores e plantas, isso que tem nos viveiros. E o que entregaríamos? Um projeto elaborado e executado pela comunidade, sem trazer engenheiro de fora, com uma arquiteta do CAU. O prefeito não quis. Resolvemos fazer por nós mesmos.

Elder Dias – Para deixar claro, essa seria uma das área a ser desafetadas…
Sim. Veja aqui (faz um rascunho de um mapa). Era uma das áreas em que o prefeito mais investiu para desafetação. Aqui (apontando) tem a Avenida Goiás com o Córrego Caveirinha; e aqui, (também apontando) tem um shopping [Passeio das Águas]. A área está aqui, logo ao lado. O que fizemos para resgatá-la? Em poucos dias, três ou quatro, com a ajuda de algumas pessoas, organizamos um mutirão. Sábado de manhã, todos chegaram e começamos a capinar, inclusive com a ajuda da própria Comurg [Companhia de Urbanização de Goiânia].

Elder Dias – Mas isso já era parte da parceria?
(risos) Foi parte, em pouco, da desinformação da própria Prefeitura. Alguém ligou para a Comurg e a companhia agiu certo e foi dar apoio, fez capina, limpeza. Mais isso durou duas horas, até o secretário ficar sabendo e pedir para que os trabalhadores se retirassem. Ele discutiu conosco, chamou a polícia. A polícia chegou e não entendeu nada muito bem, acharam que estavam indo lá para reprimir uma invasão ou coisa assim. E o que fazíamos, na verdade, era nos apropriar daquele espaço, revitalizá-lo. Os próprios policiais notaram isso. Foi uma situação constrangedora para o secretário.

Elder Dias – A ideia era a comunidade tomar um espaço que estava desurbanizado e reativá-lo?
Sim, e com nosso dinheiro. Mas o secretário chamou a polícia, que de forma alguma nos impediu. Então, ele chamou a Secretaria de Fisca­li­za­ção e fizeram um auto, que eu até te­nho. Falaram que estávamos edificando em lugar público, sendo que, na verdade, resolvemos fazer uma es­pécie de memorial, com as crianças deixando a marca de suas mãos, plantando flores. Mas, enfim, os burocratas sempre dão um jeito, têm u­ma justificativa. Mas conseguimos fazer isso com a comunidade. De­pois, o projeto acabou sendo derrubado na Justiça, a Prefeitura perdeu a causa.

Elder Dias – Como está, atualmente, a situação dessa área no Residencial Humaitá?
Precisa da ação da Prefeitura. É muito fácil fazer workshop, dizer que está envolvendo a comunidade, colocar um verniz. Quando se fala de um espaço público, refere-se a um lugar que está precisando de um tratamento especial. Só que as pessoas da comunidade têm de trabalhar, têm suas rotinas. A comunidade queria muito fazer pelo menos uma pista de caminhada, mas um metro do concreto é caríssimo. Algumas árvores que plantamos, frutíferas, vingaram. Darci Accorsi [prefeito de Goiânia pelo PT entre 1993 e 1996, que morreu no fim do ano passado] falava da dificuldade em fazer parques. Ele dizia: “Vamos fazer o seguinte? Vamos delimitar o espaço do parque e fazer as pistas de caminhada.” Dessa forma, as pessoas começam a se apropriar do local. Falta, então, a ação da Prefeitura. É lá, com as pessoas do Humaitá, que a Prefeitura deveria fazer uma PPP, e não aqui [apontando para o folder do Parque do Cerrado]. Mas o prefeito não quer.

Aí, então, veio o problema do IPTU, com uma mudança de natureza: sair das zonas e ir para o purismo do valor venal. As pessoas estavam preparadas para um aumento de 20%, 25%, do valor do IPTU? Acredito que sim. Mas o prefeito tem uma lógica, que é própria de pessoas personalistas – e olha que eu não o conheço: ele prefere 100% de nada a 10% ou 20% de alguma coisa. Ele ficou com 100% de nada porque não quis discutir a planta de valores. Em Goiânia existem cerca de 110 mil áreas territoriais, por definição, desocupadas, sem identificação, que geram o chamado ITU. Ele poderia ter majorado isso, mas não fez. É muito melhor começarmos aumentando o imposto territorial do que o imposto predial, é até lógico. O ITU é um dos impostos mais justos, porque ele incide sobre propriedade, e não sobre o consumo. Mas o prefeito não quis fazer isso.

Elder Dias – Nós fizemos reportagem sobre isso. O Jornal Opção foi um dos poucos veículos de comunicação que se posicionou pelo aumento do IPTU, desde que com um valor justo, pois há um ganho no imóvel como investimento, sempre maior do que o valor venal.
Exatamente. Voltamos àquela questão: por que esta cidade se organiza como patrimônio? Diferentes atores pressionam o governo e, então, o mercado imobiliário lotou, de fato, as audiências públicas sobre o IPTU. Era uma coisa engraçada, porque lá não tinham pessoas, mas, sim, empregados de imobiliárias e outras grandes empresas, com faixas e tudo o mais. Encontrei até ex-alunos lá.

Há várias formas de buscar solucionar a questão em Goiânia. Por exemplo, pensar em tributar a subutilização. Porque, se alguém tem três lotes, pode ser tributado, no cadastro, de forma diferente. A Prefeitura tem esse cadastro e anos atrás lançou um edital dizendo que puniria quem não fazia a capina dos lotes, chegou a sair uma lista com os nomes, CNPJ e CPF dos proprietários. Era donos de terrenos em vários setores. Isso forçaria o adensamento dos bairros. O que acontece quando um bairro é pouco adensado? O serviço fica caro. Imagine a coleta de lixo em uma rua com três domicílios, imagine o gasto com iluminação pública.

Marcos Nunes – Há um dilema: a expansão urbana para muito longe é prejudicial para cidade, mas a verticalização e o adensamento exacerbados – e um bom exemplo é o entorno do Parque Flamboyant – também é prejudicial. Como chegar ao meio termo?
Muito boa sua questão. O Plano Diretor é que vai dizer até que ponto se pode verticalizar. O correto, no planejamento, é misturar os usos, fazer uma “miscigenação”. A cidade é isso, não é a homogeneidade. A ideia americana do subúrbio está falida, é a anticidade, não tem vida.

Frederico Vitor – Attilio Corrêa Lima e Armando de Godoy [arquitetos que trabalharam no projeto urbanístico de Goiânia] tinham uma formação europeia de urbanismo. Esse “DNA” francês ou inglês da nova capital goiana parece que foi perdido ao longo do tempo. O que ocorre hoje? Estaríamos importando um modelo norte-americano?
É engraçado, pois são dois mo­de­los muito sintomáticos. Há um mo­do de existir de cidade cuja prioridade é a locomoção – o subúrbio de Los Angeles é distante, por exemplo, por isso são necessárias grandes vias; e há também as cidades europeias, que são mais antigas, cujas histórias não se comparam à história recente, são seculares. São cidades coesas, pois se constituíram intramuros, para usar uma expressão forte. A imagem da cidade colonial é uma imagem extremamente densa. Temos uma imagem muito enviesada da cidade medieval. Paris, por exemplo, à medida que cresce – e cresce bastante durante os séculos XVIII e XIX, expande seus muros.

Ou seja, Paris se adensa, mas se expande – isso já planejado. Mas não é algo planejado, necessariamente, como foi pensamento o chamado planejamento moderno, o zoneamento. Naquela Paris há a questão da segurança e também a questão fiscal. Aqueles muros não era apenas para segurança, eram também muros fiscais. No núcleo de Paris, em seus conhecidos “quartiers” [quarteirões], não se vê um prédio alto. Aliás, há um prédio desses apenas, da década de 1970 e que depois foi abominado. O restante da identificação da Paris moderna está na área de La Défense. Existem questões históricas: dizem que o solo de Paris é como um queijo suíço, porque, no período em que desenvolveu, também usou seu subsolo para galerias, tubulações, minas. Não é à toa que os cemitérios, que hoje são os pontos turísticos, as catacumbas, são resultados de deslocamentos de cemitérios para minas, que estão no perímetro de Paris. Esse é um modelo histórico de sítio urbano.

No caso das cidades americanas, o automóvel é o rei, as cidades já nas­cem dispersas, inclusive pelas condições dos sítios urbanos. Em Goiânia, é preciso dizer que o tipo de concepção de Attilio era o reinante da época e que atualmente se destrói tudo aquilo, com a síntese instituída por esse modelo de gestão de hoje.

A chave do urbanismo de Goiâ­nia era o zoneamento funcionalista. Cada parte da cidade tinha uma função. Le Corbusier [arquiteto Charles-Edouard Jeanneret-Gris], em sua Carta de Atenas, diz claramente sobre as quatro funções do urbanismo moderno: trabalhar, habitar, circular e divertir-se nas horas vagas. Ou seja, já há a concepção de que a cidade é uma máquina, de que cada coisa é feita para um tipo de atividade. E, assim, o zoneamento passa a ser rígido. O zoneamento é o que dá mais debate, o resto é perfumaria, pois ele vai dizer o que é possível e o que não é, inclusive como atividade econômica. Esse tipo de zoneamento é um modelo macro – tanto é que Le Corbusier tinha uma ojeriza pelo que chamava de “traço curvo” – ele dizia que a rua torta era a “rua dos idiotas”. Para ele, o racional é o plano, é a cidade do plano. É isso e é, ao mesmo tempo, a cidade dos conjuntos.

Se fôssemos a uma aula de urbanismo, veríamos o seguinte: há um casamento entre a perspectiva econômica de uma sociedade com determinado período e sua perspectiva arquitetônica. O modelo de cidade, e, portanto, de habitação, de Le Corbusier bate com a do fordismo, literalmente. Por isso, é preciso que haja os operários reunidos em determinado quadrante, homogêneos. A cidade é uma máquina e ela precisa disso. Quando esse modelo se destrói e a cidade não precisa mais de um operário homogêneo, a estética dela é outra, nós temos outro quadro. Por isso, nos Estados Unidos – e David Harvey coloca isso com precisão – houve várias implosões de edifícios. Eles eram estéreis. É o que Jane Jacobs [escritora e ativista política], em seu livro “Morte e Vida de Grande Cidades”, criticou há muito tempo: “isso aqui não tem vida, não é cidade, cidade é o centro”.

Trazendo isso para Goiânia: que cidade é esta? A ideia de cidade-jardim é uma das poucas propostas, na literatura que temos, que foi efetivada. Howard [Ebenezer Howard, pré-urbanista inglês, que escreveu “Cidades-Jardins de Amanhã”] efetiva isso no noroeste da Inglaterra, como uma cidade cooperativa. E qual era o ambiente de concepção da cidade-jardim? Imagine o que era Londres no século 19, degradada, uma cidade central com 2 milhões de habitantes, com falta de espaço e dificuldades nas questões sanitárias, núcleo econômico do mundo. Howard chega ao campo da cidade, desabitado, cercado e sem vida. Então, ele fala: “Vou fundar a cidade-jardim, que vai ter o melhor da cidade e o melhor do campo”. E essas cidades são, hoje, periferia de Londres, algumas são subúrbios.

A ideia que vem para Goiânia é de uma cidade zoneada. E ninguém pensa o que era o Cerrado naquela época. Pensam que havia uma floresta enorme, flores. Não, veja as imagens da década de 30. Havia áreas aqui que eram de pastagem, degradadas. Isso era mato, no sentido vulgar. E nosso zoneamento foi perfeito até o dia em que a realidade disse que não era. Ou seja, áreas de habitação, que seguem o mesmo princípio do planejamento original, quer dizer, aqueles sistemas de entrada, algo que existe na Avenida Goiás, em relação aos prédios.

Acontece que não temos gestão alguma do patrimônio. Porque, se tivéssemos, refuncionalizaríamos essas áreas, as chamadas vielas. Acham que elas foram parte do acaso, mas não, foi tudo planejado. Na década de 1960 ainda tinha croquis delas. Então, o que escapa em Goiânia? A periferia. Nem podemos dizer que sobra área verde em Goiânia. Primeiro porque não existe um ideal de área verde. Não adianta, por exemplo, termos áreas verdes em locais praticamente privatizados. O que constrói o acesso público não é só ter essas áreas, é também criar as condições de acesso às pessoas. Os gestores daqui não sabem que as pessoas gostam de espaços públicos. Vá domingo pela manhã ao Centro Cultural Oscar Niemeyer ou no Bosque dos Buritis, ou ainda no Parque Vaca Brava. As pessoas da periferia vêm, trazendo suas coisas, e fazem piqueniques. E o que os gestores fazem? Querem vender espaços.

Isso mostra que o modelo que estamos criando é um tanto misto: fragmenta a cidade e oferece acesso às áreas rurais da região metropolitana. Tenho levantamentos com grupos de alunos que temos cerca de 30 milhões de metros quadrados em áreas de condomínios fechados, de chácaras e sítios de lazer nos municípios próximos de Goiânia, como Hidrolândia, Bela Vista, Aragoiânia, Senador Canedo. Na década de 80 sonhávamos em ir a clubes aos fins de semana. Hoje não há clubes, há espaços públicos cada vez mais restritos, porque a Prefeitura não tem planejamento para esses espaços. Aí entramos em um último ponto: é por falta de recursos? Essa é a justificativa. Eu digo que não é. Nossa receita anual deve ter fechado, possivelmente, porque ainda não há os dados no Portal da Transparência em torno de R$ 2,1 bilhões.

Elder Dias – Mas essa já não é uma receita já comprometida, com folha de pagamento e outras questões?
Interessante isso. Como não temos acesso aos dados, temos de acreditar no prefeito. Aí nós temos: dizia-se que a Prefeitura estava em crise e que era preciso vender as áreas para não falir. Não vendeu e também não faliu. Novamente fala-se que a prefeitura estava em crise e era necessário aumentar o IPTU, senão iria falir. Não houve aumento e não faliu. A mesma coisa em relação aos aumentos para os servidores. Então, o que está faltando? Algo está desencaixado.

O prefeito está, neste momento, na Espanha, participando de um evento sobre cidade sustentável. Segundo noticiado, ele foi para apresentar e discutir o modelo de Goiânia. Se ele foi para discutir – e espero que tenha sido, senão não justificaria a viagem –, isso se torna improdutivo. Porque, se ele vai para lá achando que Goiânia tem algo a ensinar às outras cidades, certamente vai deixar de aprender algo. E o que ensinar? A política de mobilidade? Essa não existe. A política de ciclovias, por exemplo, não é feita “à la Paris” ou “à la Londres”, onde há bicicletas disponíveis para as pessoas. Ela é feita para as pessoas se deslocarem longas distâncias. De Aparecida de Goiânia para cá, basta ir a um canteiro de obras e ver a quantidade de bicicletas, o que vai aumentar agora porque a passagem de ônibus foi para R$ 3,30. Ou seja, a nossa política de mobilidade vai fazer com que, ironicamente, cresça o uso de bicicletas, mas não por uma questão aeróbica, de saúde, mas por necessidade, por questão financeira.

Elder Dias – A Prefeitura pareceu bem intencionada ao se apropriar da Praça Cívica para recuperar aquele espaço. Mas isso me parece ser algo descolado de outros projetos. Como o sr. avalia isso?
O exemplo é ótimo. Se falamos de planejamento global, com o Estado como arena possível de interlocução com a sociedade, agora ele aparece como um planejamento extremamente imediatista e pontual. A Prefeitura perdeu o conceito de planejamento global. Por isso ela quer investir, por exemplo, em um Parque do Cerrado, que prevê a construção de dois ou três viadutos passando pela BR-153. Quem vai construir esses viadutos? Ou seja, substitui-se o planejamento integral por outro, pontual, cuja eleição das áreas foco é feita pela iniciativa privada, que não está errada, está fazendo seu papel, por motivos imobiliários. São eles que tem mais chance com essa Prefeitura que aí está. Não somos nós, universidade, nem a comunidade. Nunca temos acesso a esses projetos. Se tivéssemos um planejamento em longo prazo, não iríamos dispor de áreas públicas. O que temos hoje é um planejamento em curto prazo, apressado e que não vê a complexidade de Goiânia. Ironicamente, em uma cidade que não é tão complexa quanto as demais, embora muitos digam que sim. Temos, por exemplo, o complexo Macambira-Anicuns. Há quanto tempo esse projeto está na agenda do Jornal Opção? Não sai do papel, porque não existe planejamento. É perfumaria pura.

Nos eventos da Prefeitura não há mais cheiro de comunidade. Só de empresários. O PT implantou em Goiânia o Orçamento Participativo. Este tinha pelo menos cheiro de povo, eu acompanhei alguns. O que está ocorrendo atualmente é uma Prefeitura que abandonou completamente o planejamento urbano. Quando ela faz isso, é porque o planejamento já ficou para trás. Então, o que o prefeito vai apresentar na Espanha? Nossos córregos? Vamos olhar o Capim Puba. A data base do funcionalismo? Acredito que não.

Enfim, a Prefeitura não para se pensar. E por que não para? Porque não tem bons técnicos? Errado, ela tem. O quadro técnico da Prefeitura é de qualidade. A Prefeitura diz que a cidade tem muita demanda reprimida, mas é mentira. O prefeito diz que são 300 mil pessoas migrando de Aparecida para cá, por exemplo, mas se esquece de dizer que cada uma dessas pessoas faz consumo do combustível, que gera impostos, traz a verba do Fundeb [Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica] para aqueles que vêm estudar. Ou seja, é funcional para a cidade, o que torna o discurso falacioso. Qual é a maior receita tributária de Goiânia? O ISSQN [Imposto Sobre Serviços], que incide mais sobre os serviços médico-hospitalares, que serve a gente que vem de todos os lugares, deixando impostos aqui. E se o prefeito está tão preocupado com arrecadação, porque há dois anos ele baixou a alíquota do ITBI [sobre transações imobiliárias]? Por isso tudo, digo que falta planejamento.

 

Texto escrito por Tadeu Alencar Arrais

Originalmente publicado em Jornal Opção, Entrevista