Necrópole Goiânia

A Praça do Avião e a Idade das Trevas

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A idade das trevas

No livro O Declínio do Homem Público, Richard Sennet desenvolve uma narrativa nada animadora sobre a sociedade contemporânea. Segundo ele, o definhamento da cultura pública é correlato ao nascimento de uma sociedade profundamente intimista. Um dos aspectos que reforça esse argumento é a contínua degradação dos espaços públicos. As praças, mais do que uma forma arquitetônica, são espaços que favoreceram, ao mesmo tempo, experiências de encontro, de contemplação e, sobretudo, de aprendizagem. A praça, legítima invenção urbana, oferece um momento de pausa no cotidiano tomado por experiências sensoriais negativas. Essa corrosão dos espaços públicos, não podemos nos enganar, faz par com o sentimento de insegurança em relação às cidades, aumentando as angústias da vida diária.

Existem duas estratégias comuns para amenizar a questão da insegurança nos espaços públicos. A mais tradicional é o policiamento ostensivo, ocorrido com pouca frequência nas praças da cidade. Mas isso garantiria resultados apenas efêmeros, como verificamos os casos de furtos e roubos nos espaços públicos da cidade. A segunda estratégia é investir no uso, conforto e permanência das pessoas. Aqui entra a questão da manutenção dos equipamentos de ginástica, dos playgrounds, das quadras de esporte e das pistas de caminhada nas inúmeras praças da cidade. Investir no uso é acreditar na sociabilidade, e é uma responsabilidade do poder público municipal.

A Praça do Avião, símbolo da vitalidade da região central, carrega em seu traçado as marcas da evolução histórica de nossa cidade. Durante o dia, sua ocupação mostra a multiplicidade dos usos que um espaço público pode abrigar. Apesar da falta de manutenção, a praça é apropriada por diferentes grupos sociais. As crianças, como deveria ser em toda praça, formam a maioria. Seu barulho, sem exagero, chega a competir com a cantoria dos pássaros.

Mas essa competição dura pouco. Antes do crepúsculo, como todos sabem, a praça se torna um ambiente inóspito. O playground é tomado pelas trevas. Os aparelhos de ginástica e a quadra esportiva desaparecem na paisagem sombria. Um cenário digno de um filme noir toma conta do quadrante norte da Praça do Avião. A sensação de insegurança é reforçada pela escuridão.

Alice, Isabela, Estela, Ana Sofia, Maria Fernanda, Enzo e uma multidão de crianças não entendem que aquele, a partir do crepúsculo, deixou de ser um espaço público. Não entendem os motivos pelos quais as “luzes não acendem”. Essas crianças, talvez menos que outras crianças na periferia de nossa cidade, são vítimas de uma política urbana que investe na claustrofobia. Se todos permanecerem enclausurados em suas casas não verão o que essa cidade se tornou e, portanto, não poderão desejar uma cidade diferente.

 

Tadeu Alencar Arrais é professor associado do IESA/UFG (tadeuarraisufg@gmail.com)

Texto escrito por Tadeu Alencar Arrais

Originalmente publicado em O Popular, Opinião