Existem bons argumentos contra a mudança na forma de tributação, quanto péssimos argumentos favoráveis às alterações. O contrário também é verdadeiro, bastando para isso observar algumas bravatas pronunciadas na Câmara. Avalio esse debate a partir de duas perspectivas. A primeira, do ponto de vista abstrato, sem imaginar uma realidade concreta, localizando o IPTU apenas no âmbito do financiamento da política urbana. A segunda, do ponto de vista concreto, vislumbra o horizonte de reajuste do IPTU em Goiânia, fato indissociável do desempenho do governo municipal.
A primeira perspectiva implica em considerar a importância do IPTU como instrumento para financiar a política urbana, na medida em que o objeto da tributação é a propriedade imobiliária (domicílios) e a propriedade fundiária (áreas não edificadas). Como sabemos, em função da localização domiciliar e da proximidade das obras e serviços públicos, os imóveis prediais e territoriais são valorizados diferencialmente. Não podemos perder de vista o fato de que os investimentos públicos, a exemplo de um parque ou uma universidade, valorizam diferencialmente as áreas urbanas. Não podemos perder de vista, igualmente, que vivemos um embate entre a função social da propriedade e o monopólio do solo urbano.
A segunda perspectiva implica em considerar a importância do IPTU para as receitas municipais de Goiânia. Em 2012, segundo informações no Atlas das Receitas Públicas da Região Metropolitana de Goiânia, pesquisa financiada pela Fapeg, o valor total do IPTU foi de R$ 266.302.171,00, equivalente a 15,04 % das receitas totais do Executivo municipal. Em 2013, a receita do IPTU totalizou R$ 286.307.895,79, equivalente a 15,33% das receitas do Executivo municipal. Verificamos, portanto, que ocorreu aumento na receita do IPTU. É necessário considerar, contudo, duas variáveis. O aumento das demandas diárias próprias da função pública, especialmente nas áreas mais vulneráveis da cidade, e a valorização imobiliária, traduzida na defasagem entre valor de mercado e o valor venal dos imóveis. Um caso concreto. Um imóvel situado no Setor Aeroporto, com área de 60 m2, com valor venal de R$ 72.4791,50, com alíquota de 0,00550, foi tributado, em 2014, em R$ 396,05. Esse mesmo imóvel foi negociado, no início do ano de 2014, pelo valor imobiliário de R$ 235.000,00. Se o valor venal correspondesse ao valor imobiliário, mesmo na lógica zonal, o valor do IPTU passaria de R$ 396,05 para R$ 1.292,50.
Mas por que mudança no IPTU causa tanto debate? O primeiro ponto é que não se trata de um reajuste, mas sim da mudança na natureza da forma de cobrança do IPTU. O segundo ponto, que persegue a gestão municipal, é a falta de transparência nas discussões, fato exemplificado pela ausência de informações sobre a metodologia utilizada para a atualização da Planta de Valores. A extinção das zonas fiscais não é, necessariamente, ruim, especialmente porque induziram uma leitura homogênea das diferentes partes da cidade. A partir da extinção das zonas, o projeto propõem oito variações de alíquotas para imóveis edificados de uso residencial (0,20% a 0,65%) e outras oito variações para imóveis edificados de uso comercialcial (0,5% a 1%). Em seguida propõe oito variações de alíquota para áreas não edificados (0,75% a 3,5%). Cada variação corresponde a intervalos de valores iguais, sendo o primeiro de até R$ 50 mil e o último acima de R$ 1,2 milhão. Exatamente aqui começam os problemas. Por que intervalos de valores iguais para aplicação das alíquotas, sendo que a natureza do uso é totalmente diferente? Um uso residencial é muito distinto de um uso não residencial que, por sua vez, é totalmente distinto das áreas não edificadas que, com raras exceções, são onerosas para o poder público municipal. Existiam, no ano de 2010, 117.057 lotes vagos em Goiânia. É nesse segmento e não nos domicílios edificados em uso (residencial ou comercial) que o governo deveria centrar as energias, aumentando as alíquotas e reduzindo os intervalos de valores – a progressividade estaria plenamente justificada para esse segmento.
O artigo 7 condiciona a aplicação das novas alíquotas à aprovação da Planta de Valores Imobiliários. Aqui entra a questão da transparência. Que critérios foram utilizados para a atualização da Planta de Valores Imobiliários? A extinção da cobrança na escala zonal coloca em evidência a escala do domicílio, ou seja, em uma mesma rua, em um mesmo bairro, existem imóveis com valores totalmente distintos. Será que o governo municipal está preparado tecnicamente para tal demanda? Será que as assimetrias, tão nocivas para a justiça social, serão solucionadas?
Enfim, aposto que o reajuste do IPTU não ocorrerá como o governo municipal deseja, mas sim como será permitido pelos grupos que detêm, de fato, o controle do uso e da regulação do solo urbano. Esses grupos, parceiros do governo municipal quando o assunto é alterar o Plano Diretor ou mesmo desafetar áreas públicas, lembrarão ao governo municipal quem realmente manda nessa cidade.
Tadeu Alencar Arrais é professor associado Iesa-UFG
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