Necrópole Goiânia

Dona Rosalina e o colapso financeiro do Paço Municipal

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O excesso de informação da sociedade contemporânea também gera insegurança, medo, receio em relação ao futuro, motivo pelo qual depositamos confiança excessiva nos peritos. Uma das exceções é Dona Rosalina, moradora do Conjunto Itatiaia, que já viveu tempo suficiente para desconfiar do colapso financeiro anunciado pelos peritos do Paço Municipal. Muito prudente, ela insiste em discutir o assunto com suas vizinhas, utilizando-se de um método cuja eficácia garantiu a sobrevivência de sua família em períodos de crise: controlar as receitas e vigiar, como olhos de águia, as despesas.

O que salta aos olhos, quando utilizamos a simplicidade do método de Dona Rosalina para analisar o anunciado colapso financeiro, é a dificuldade de o Paço Municipal em lidar com o tripé tributário que é formado pelo IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), pelo ISTI (Imposto de Transferência de Bens Imóveis) e pelo ISS (Imposto Sobre Serviços). A centralidade dessas receitas resulta de três características pouco exploradas pelos peritos do Paço Municipal. A primeira é que são receitas que não dependem e nem envolvem repasses e/ou qualquer tipo de transferências intergovernamentais. A segunda resulta do sempre crescente poder de polarização da capital, o que justifica a centralidade do setor de serviços, seguida da drenagem de renda provocada pela intensa mobilidade de pessoas que consomem serviços que são tributados na capital. A terceira guarda relação com o dinamismo do setor imobiliário, seja pelo crescente incremento de novos domicílios e/ou fracionamentos na base de cobrança do IPTU, seja porque as transferências de imóveis geram receitas permanentes. Mas o que foi feito em 2013 para equilibrar as finanças do município de Goiânia?

Em 2013, sem nenhuma justificativa plausível, o Paço Municipal reduziu as alíquotas de ISTI de 3,5% para 2%. Para que se entenda. A cada imóvel escriturado no valor de 100.000,00, o Paço Municipal deixou de arrecadar R$ 1.500. É só imaginar a quantidade diária de transações imobiliárias para calcular a renúncia fiscal. Como que para coroar o ano exitoso, a Planta de Valores não foi atualizada e o Paço Municipal perdeu, mais uma vez, a oportunidade aumentar as receitas. Mas o pior é a inadimplência ajuizada do ISS que ultrapassa, conforme informação publicada em 09/03/2014, no Jornal O Popular, os R$ 3 bilhões. Se o desempenho da receita não foi, digamos, muito animador, o que dizer das despesas?  A folha aumentou e os escândalos sobre salários que ultrapassam o teto do funcionalismo público frequentaram as páginas dos jornais. A transformação de agências em secretarias não apenas inflou a folha, mas também prejudicou os serviços para a população. O maior exemplo, já assinalado por Antenor Pinheiro, foi a transformação da Agência Municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade (AMT), em Secretaria Municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade (SMT). A mudança da sigla, mais que um ato inocente, trouxe implicações perversas para a cidade, uma vez que os recursos auferidos pelas multas, por exemplo, foram para no Tesouro Municipal, não reverberando em melhorias na qualidade do serviço prestado para a população.

Mas, enfim, o que o Paço Municipal está fazendo para evitar o colapso financeiro?

São duas ações, em caráter de urgência. A primeira ação foi instituir o pânico, afinal, os serviços básicos e a manutenção de equipamentos públicos estão colocados em xeque. Ninguém desejaria a paralização na coleta de lixo ou mesmo uma greve na educação e/ou o fechamento de postos de saúde. Olha que não estamos sequer citando a falta de investimentos em infraestrutura urbana e a ampliação dos serviços, mas apenas os gastos com o custeio rotineiro. A segunda ação, já que o terreno foi preparado com a política do pânico, é vender o patrimônio público. A venda das 18 áreas que constam no Projeto de Desafetação de Áreas Públicas, aprovado em primeira votação em 26/02/2014, revela o estratagema perverso para agradar o mercado imobiliário. Aliás, há quem diga que curvar-se diante do mercado imobiliário transformou-se em esporte obrigatório no Paço Municipal. Impressiona a ambição de arrecadar apenas R$ 250 milhões. Preço baixo quando considerarmos os problemas que serão gerados, especialmente na região do Parque Lozandes.  Um pouco de criatividade, muito trabalho e algumas conversas em Brasília para estabelecer convênios e parcerias poderiam, facilmente, aumentar as receitas municipais, deixando, assim, a cidade livre desse vexame.

 Dona Rosalina ficou sabendo, pelos jornais, de toda essa história. Ela não entende de legislação, mas sabe que desafetação significa algo como perder afeto. Em tom jocoso, comentou com sua vizinha: – imagina, se a cada vez que faltar dinheiro, tivesse que vender um banheiro, um quarto, uma sala ou mesmo o quintal, o que teria sobrado para os meus filhos e netos? Tenho a impressão que os peritos do Paço Municipal podem aprender muito com Dona Rosalina. Aliás, ela avisa que o lixo se acumula na Avenida Planície.

Tadeu Alencar Arrais
Professor Associado do IESA/UFG
tadeuarrais@ibest.com.br

Texto escrito por Tadeu Alencar Arrais

Originalmente publicado em Necrópole