É exercício penoso ler todos os dias no jornal, presenciar na televisão, o “caos” – para usar expressão do próprio prefeito de Goiânia – na administração pública, a quase-falência das finanças públicas, em meio aos dramas vividos pela população nas áreas da limpeza urbana, na saúde, na educação. E tudo ainda pode piorar.
É inacreditável também que esteja tramitando no Congresso Nacional a Medida Provisória 630, em que o governo federal (mediante emenda da senadora Gleisi Hoffmann) propõe estender o Regime Diferenciado de Contratações a todas as licitações e contratos da União, dos Estados e dos municípios. E isso significará, na prática, acabar com a obrigatoriedade de licitações (Lei 8.666), já que empreiteiras e outras empresas poderão ser contratadas até sem apresentar projetos básicos em todas as obras públicas. Principalmente grandes empreiteiras, as maiores financiadoras de campanhas eleitorais (quando já estamos no início de campanhas). Esquece-se que também está no Congresso o projeto de obrigatoriedade de planos de metas para prefeitos, governadores e presidente da República – de que adiantarão sem projetos prévios em cada obra?
No recente Congresso Brasileiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, além de outras instituições da área, em Fortaleza – do qual participou o autor destas linhas –, foi aprovada unanimemente, por aclamação, moção que pede o repúdio nacional à Medida Provisória 630. Isto é, deveríamos estar caminhando em direção oposta ao “facilitário”, mas sabemos que continuamos a trafegar em direção ao caos urbano, com 90% da população nacional vivendo, até 2020, em cidades que crescem vertiginosamente – o setor da construção responde hoje por 6,5% do Produto Interno Bruto e gera de 50 a 70% dos resíduos com obras, além de ter hoje 3,3 milhões de trabalhadores, segundo o Ministério do Meio Ambiente (12/10/13).
Como entender que não se criem regras adequadas se sabemos que as regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, juntas, já têm hoje 42 milhões de habitantes, mais que toda a população do Canadá (O Estado de S. Paulo, 14/11/13), e com uma média de 2.476 habitantes por quilômetro quadrado? Em dez anos a Região Metropolitana de São Paulo viu sua população crescer em mais de 10%; a de Campinas, 19,7%. E 28% da população brasileira vivem em favelas, segundo o Ministério das Cidades.
Não é só. Quase um terço dos municípios brasileiros sofreram inundações nos últimos cinco anos (Agência Globo, 1/5). Mas em 48% dos municípios não há nenhum planejamento para prevenir esses fenômenos. De acordo com a Pesquisa de Informações Municipais, entre 2008 e 2012 nada menos de 4,4 mil municípios sofreram com esses fenômenos, fora 2,2 mil deslizamentos. Mas só 17,9% têm planos de saneamento básico, só 21,1% têm planos para gestões de risco de deslizamentos e apenas 33% planos para evitar inundações – apesar de 90% dos municípios terem órgãos de meio ambiente; e de tramitar na Câmara dos Deputados projeto para um plano nacional de drenagem, para controle de águas pluviais e drenagem urbana. Em Goiânia, a Justiça deu prazo de um ano para que a Prefeitura e a Agência Municipal de Meio Ambiente façam a contenção às margens do Córrego Cascavel (O POPULAR, 15/4).
A capital goiana parece em maus lençóis, com 630 bairros, 238.955 imóveis com prédios, 117.057 vazios e apenas 10.360 imóveis públicos – por isso mesmo, 189 bairros não têm lotes públicos para nada e 139 no máximo 3, segundo Tiago Alencar Arrais, professor da UFG (O POPULAR, 22/4). Quase 120 mil lotes particulares estão vagos, a maior parte em locais já dotados de infraestruturas e serviços públicos, enquanto ocorre a expansão da cidade para novas áreas. E enquanto a Prefeitura teima em desafetar áreas públicas para serem vendidas (e “fazerem caixa”).
E tome lixo. E tome transportes congestionados. Postos de saúde sem pessoal para atender. Crateras nas ruas. Etc. etc.
Washington Novaes é jornalista