Necrópole Goiânia

Jardim Botânico: será essa mais uma nova história?

publicado por |

Essa história é mais velha que a história
dos tempos de glória do velho barão
Quem não sabe de cor essa história
refresque a memória e preste atenção
Não sou eu quem repete essa história
É a história que adora uma repetição.

Rebichada, Chico Buarque

Tadeu Alencar Arrais
tadeuarrais@ibest.com.br
Professor Associado do IESA/UFG

Ao que tudo indica, após a preliminar derrota no processo de desafetação de áreas públicas, o Governo Municipal renova a retórica de sua antipolítica urbana usando de um expediente previsto no Estatuto das Cidades. Trata-se da proposição de uma Operação Urbana Consorciada, prevista no artigo 32 e 33, da Lei Número 10.257, de 10 de junho de 2001. A dificuldade de opinar sobre o projeto é resultado direto da falta de transparência nas discussões que estão monopolizadas pelo Governo Municipal, com apoio da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás (Ademi-GO), como indicado na reportagem do jornal O Popular, do dia 09/02/2014. O projeto, com apoio técnico do Instituto Cidade, já está em fase adiantada, o que significa que sobrará, como sempre, pouca margem para participação de moradores e usuários permanentes, obrigatoriedade prevista no primeiro parágrafo do artigo 32, do Estatuto das Cidades. O mais contraditório, considerando as informações divulgadas na reportagem, é o premente conflito de interesses, uma vez que representantes do mercado imobiliário integram a comissão técnica do referido projeto. Segundo a opinião do Gestor do Instituto Cidades, Marcel Canedo: “O trabalho é feito de forma mais rápida assim já que o poder público municipal sozinho teria de enfrentar a burocracia e ausência de recursos”.  Salvo as boas intenções, a prudência sempre nos aconselhou a não colocar a raposa para vigiar o galinheiro.

Seria ingenuidade imaginar que o mercado imobiliário e o Governo Municipal não disponham de uma cartografia precisa dos ativos ambientais do município. Nesta cartografia consta o Jardim Botânico como a área urbana ambiental mais extensa da cidade, com um entorno marcado por ocupação domiciliar horizontal, com estoque de áreas sem edificação e ocupado por uma parcela da população com renda domiciliar sensível ao assédio do mercado imobiliário.  Mas o adensamento que permitirá a construção de edifícios na região não poderia surgir do dia para noite, uma vez que aos olhos da legislação existem impedimentos. A estratégia do mercado imobiliário, portanto, passou por vender a ideia de requalicação para o Governo Municipal. Na falta de uma política urbana que justifique o epíteto de cidade sustentável, o Governo Municipal adota o receituário da desregulamentação do uso do solo como estratégia para mudar a paisagem de uma região cujo maior patrimônio é o Jardim Botânico. Portanto, a ideia partiu do segmento imobiliário e do Governo Municipal, como forma de celebrar a aliança duradoura que vimos em outras ocasiões, a exemplo das mudanças do uso do solo da região norte ou mesmo do processo de desafetação de áreas públicas. Contudo, é necessário demonstrar para o público, a partir de argumentos aparentemente técnicos, que a desregulamentação do uso do solo é o único caminho possível para melhorar a infraestrutura da região e requalificar o Jardim Botânico, uma vez que o Governo Municipal é incapaz de cuidar de “alguns” parques da cidade.  Estamos aceitando a ideia de que o financiamento da política urbana só pode ser feito com recursos auferidos da desregulamentação (flexibilização das exigências de parcelamento, mudanças das normas edilícias, regularização de construções irregulares etc.) ou mesmo da venda dos ativos públicos municipais (estoque de áreas públicas).

Sabemos que já não existe estoque de áreas no entorno do Parque Areião, do Parque Vaca Brava ou mesmo do Parque Flamboyant, o que provocou, por um lado, a excessiva valorização imobiliária e, por outro lado, a procura por novas áreas com características ambientais típicas de enclaves e com infraestrutura urbana consolidada e acessibilidade. O interesse pelas áreas nas imediações do Jardim Botânico enquadra-se nesse exemplo. Em seguida, imagino, será a vez do Parque Carmo Bernardes, situado no Parque Atheneu. A estratégia de utilizar uma Operação Urbana Consorciada como mote para reestruturar uma região bastante extensa, cujos limites englobam as regiões do Parque Areião, do Setor Pedro Ludovico, da Vila Redenção e do Jardim Santo Antônio, demonstra o quanto esse projeto deve ser discutido e que o foco do adensamento pode não ser apenas o entorno do Jardim Botânico. Os Certificados de Potencial Adicional de Construção vão criar um mercado paralelo, monopolizado por aqueles que, teoricamente, se comprometerão com as contrapartidas.

Não basta dizer que existem, no Brasil, experiências exitosas que justificam o  Plano de Operação Urbana Consorciada, pois parte significativa da literatura aponta o contrário. O primeiro passo para uma boa discussão é saber a origem dessas ideias, o que está a exigir uma leitura menos ingênua do projeto. O passo seguinte é perguntar se essas ideias servem, de fato, ao conjunto dos habitantes da cidade.  Desconfio que não, pois essa história tem cheiro de repetição.

Texto escrito por Tadeu Alencar Arrais

Originalmente publicado em O Popular, Opinião, 14/02/2014