Poucos são os exemplos brasileiros de cidade que tenha seguido um único e seguro rumo no seu processo de desenvolvimento. Curitiba é uma delas. Não se tem notícia, porém, de nenhuma que se sujeitou e se sujeita ainda, como Goiânia, à falta de planejamentos consistentes. Dos quais resultassem garantia presente e futura de qualidade de vida para a população.
De uma só vez, o Paço negocia com as imobiliárias o Jardim Botânico e vende as únicas áreas públicas que lhe restam, para os mesmos fins de especulação e de aumento da arrecadação municipal. A pior consequência será o adensamento de regiões que poderiam ser preservadas. Isso, se à prefeitura restasse um pouco de senso e de visão do futuro. A cidade tem 120 mil lotes baldios. Para que adensar?
Daqui a alguns anos, quando a região metropolitana alcançar 3 milhões de habitantes, os governos do município e do Estado farão desapropriações, talvez dos mesmos espaços agora em processo de cessão à iniciativa privada. Para ter onde construir estações de metrô, por exemplo. Ou que seja para o simples Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
As áreas desafetadas e em processo de alienação para que nelas as empresas construtoras ergam espigões representam a última reserva técnica de terrenos públicos na capital do Estado.
Por falar em VLT, o governo do Estado abortou o seu projeto que previa implantar o sistema no Eixo Anhanguera. Faz muito bem, pois o alto investimento não justiçaria o benefício. Seria apenas coadjuvante dos ônibus e não um modo autônomo. E que pouco mais passageiros transportaria por dia, se comparado ao modelo veicular atual, feito pelos ônibus articulados.
Voltando ao Jardim Botânico, a Prefeitura só não pediu à Câmara Municipal que o desafetasse para ser vendido porque se trata de área de preservação ambiental permanente. Sem poder vendê-lo, o jeito foi seguir o mesmo caminho do modelo de adensamento.
O projeto que a Prefeitura elabora para, talvez, poder justificar a parceria com as empresas de construção que já compraram terrenos na região, poderá ser resplandecente na planilha, mas na prática não contemplará questões vitais para a população atual e futura que ali se assentará, tendo o bosque como principal atração.
Age assim o Paço em razão da sua própria destemperança no tocante aos bens públicos que não soube, no decorrer de décadas, tratá-los de modo adequado. O Jardim Botânico ficou eternamente abandonado.
Além do alambrado imprestável que o cerca, nada mais foi feito. O lago interior desapareceu na sujeira. Ao longo do tempo, dezenas de árvores foram cortadas, para fazer lenha e outras utilidades.
O fracasso da administração municipal em não saber aproveitar como devia o precioso espaço urbano – a última grande área de floresta natural urbana – é o que justifica mais esse adensamento. Com a urbanização do bosque, a ser feita com recursos das empresas de construção, a prefeitura encobre seu próprio despreparo na condução dos bens públicos municipais.
A revitalização do bosque será feita sem observância de itens fundamentais como esgotamento sanitário. De que modo será feito? Existem ou não interceptores? A infraestrutura da região é compatível?
Quais as vias de alto tráfego de mão dupla darão vazão aos milhares de carros? Quais os serviços públicos já instalados e a implantar? A venda de terrenos públicos para fazer caixa configura expressa confissão da quebradeira que atingiu o Paço. Os R$ 250 milhões a serem arrecadados com as vendas são vistos como tábua de salvação. Até corte de benefícios concedidos aos servidores está em cogitação.
O adensamento do Jardim Botânico trará renda aos cofres municipais. Os prédios serão erguidos de acordo com a lei municipal do Direito Oneroso de Construir, de 2006. Por ela, poderão ser levantados arranha-céus acima do gabarito oficial, como já acontece por todo lado. A prefeitura recebe 50% do valor do Metro Unitário Básico (CUB ). Tudo que estiver além do padrão oficial paga. Fará caixa, sem dúvida, em cima de adensamentos para os quais a cidade não foi preparada.
HENRIQUE DUARTE é jornalista