É oportuno lembrar, antes de qualquer referência ao debate sobre o reajuste do Imposto Predial Territorial Urbano, três pontos:
- IPTU é um imposto sobre o patrimônio, o que, em uma situação ideal, é mais aconselhável para promoção da justiça social e consequente financiamento da política urbana;
- IPTU é um imposto sobre a propriedade (imobiliária e fundiária), o que torna necessário considerar a relação entre valorização imobiliária/ fundiária e a distribuição do ônus da urbanização, especialmente quando a valorização decorre de ações governamentais;
- IPTU é o imposto com maior visibilidade na cidade, o que significa que as discussões sobre reajustes e/ou atualização da planta genérica de valores pode ser entendida como uma janela para discutir, com responsabilidade, o financiamento da política urbana.
Os pontos assinalados, muito embora relevantes para qualquer política urbana, não compareceram no debate político sobre o reajuste do IPTU. A justificativa do aumento, por parte do governo municipal, foi o acréscimo de receitas. A justificativa da recusa, por parte da câmara municipal, foi que os recursos não farão falta no orçamento municipal. A receita do IPTU representou, em 2012, aproximadamente 10% das receitas públicas totais do município de Goiânia. Em 2008, o governo municipal arrecadou 205 milhões de reais, valor que saltou para 228 milhões em 2010 e 266 milhões em 2012. O aumento da receita do IPTU, além dos reajustes nos períodos precedentes, tem no acréscimo de contribuintes sua justificativa. O fato é que, como em outras cidades populosas do Brasil, a participação do IPTU no total das receitas municipais tem declinado. As assimetrias, para ficar no exemplo da Região Metropolitana de Goiânia, são muitas. O valor per capita domiciliar do IPTU em Goiânia, no ano de 2010, foi de R$ 539,47, em Aparecida de Goiânia R$ 278,43, em Inhumas R$ 77,35, em Caldazinha R$ 21,39 e em Trindade R$ 15,82. Esses dados, como aponta o Atlas das Receitas Públicas Municipais da RMG, refletem o processo de burocratização dos governos municipais e o processo de valorização imobiliária/fundiária. Exceção de Goiânia e Aparecida de Goiânia, os demais municípios da RMG apresentaram baixo desempenho das receitas tributárias (IPTU, ITBI e ISSQN), com participação abaixo de 3,2% no total das receitas públicas municipais de 2012. O financiamento da política urbana, portanto, não é um desafio a ser enfrentado apenas pelo município de Goiânia.
Mas por que a proposta de aumento do IPTU causou tanto debate? As razões, sem tergiversar, são duas:
- A falta de compreensão, por parte do governo municipal, de que o IPTU pode ser utilizado como um instrumento para financiamento da política urbana, o que exigiria transparência nas discussões sobre as alterações nas alíquotas e na atualização da planta genérica de valores, além de informações claras sobre a destinação dos recursos. O IPTU é um daqueles impostos que exige algum talento político por parte dos gestores.
- O excesso de compreensão, por parte dos grupos que detém o controle do uso do solo urbano do município, de que o IPTU pode, de fato, ser um instrumento de financiamento da política urbana, o que, historicamente, não interessa para aqueles que detêm o monopólio imobiliário e fundiário nas cidades. Não é por acaso que existe tanta resistência na aplicação do IPTU progressivo e na contribuição de melhoria, instrumentos eficazes para conter o monopólio imobiliário/fundiário, assim como para distribuir o ônus da urbanização.
A questão central, para além do aumento per si, passa pela compreensão de que o solo urbano é um elemento essencial para a reprodução de todas as dimensões da vida. É natural, já que o uso e a ocupação do solo urbano refletem a desigualdade de renda e acesso aos serviços públicos, que esse uso e ocupação sejam onerados de forma distinta. Aqueles que residem em áreas com boa infraestrutura, acesso a bens e serviços públicos de qualidade, transporte, lazer, segurança e, especialmente, conforto ambiental, devem pagar mais caro que aqueles que não dispõem desses serviços e benfeitorias. É preciso debater, por exemplo, as razões que justificam o distanciamento entre o valor venal e o valor imobiliário dos imóveis. Quanto menor for essa diferença, maior será o incremento no valor da receita proveniente do IPTU. É um fato, portanto, que a atualização da planta genérica de valores poderá incidir sobre a parcela mais abastada da cidade, motivo pelo qual, em diversas cidades brasileiras, a discussão sobre o IPTU tenha sido judicializada.
O erro do governo municipal foi tentar reajustar o IPTU sem um debate transparente sobre o financiamento da política urbana. O erro da câmara municipal foi negar o reajuste sem pensar nas demandas do município. O erro da cidade foi confiar seu futuro aos representantes do executivo municipal e do legislativo municipal que não tem o mínimo interesse em construir uma política urbana voltada para maior parcela da população.